Inovação ou Transformação?
Desde 2011, quando passei a me dedicar mais intensamente ao tema da inovação, logo percebi que muitas empresas ainda abordam o tema de forma circunscrita ao desenvolvimento de novos produtos ou de tecnologia. Não é necessário muito esforço para percorrer as páginas web das empresas brasileiras que se intitulam inovadoras para perceber que o tema está, com algumas honrosas exceções, circunscrito às áreas de marketing ou pesquisa e desenvolvimento. E arriscaria a dizer que, em muitos casos, ambas as áreas não estão adequadamente conectadas e com o cliente como foco de suas atenções.
Pelo lado do sistema nacional de inovação também basta um olhar aos temas priorizados por instituições de fomento como FINEP, BNDES ou EMBRAPII para reconhecer a tecnologia como temática predominante. E não há nada de errado nisto, a não ser o fato de que pesquisa e desenvolvimento é apenas uma das dimensões da inovação. Ademais, a palavra "inovação" tem sido empregada numa diversidade de usos tão grande no mundo dos negócios que seu significado tornou-se difuso e até confuso. Pergunte a uma plateia diversificada o que eles entendem por inovação e você facilmente encherá um quadro.
Reconhecendo a gravidade do cenário econômico brasileiro e sem querer entrar no mérito da velocidade com que a economia se recuperará, há consenso de que isto irá ocorrer em algum ponto à frente. Mas independentemente do cenário brasileiro, o fato é que nas últimas duas décadas o mundo passou a experimentar transformações que democratizaram o acesso à informação e ampliaram a concorrência. A avalanche de tecnologias exponenciais que já começou a se fazer sentir vem provocando profundos impactos no mercado, que se acentuarão nos próximos anos juntamente com a ascensão da geração digital. O mundo já sente este fenômeno e o Brasil não será exceção. Neste contexto vejo a inovação como o processo de renovação das organizações para poderem sobreviver a esta transformação. Trata-se da reconfiguração de processos e modelos de negócio e de orquestrar capacidades organizacionais para a criação de fluxos de caixa futuros. É portanto a construção e gestão de uma capacidade que envolve diversas frentes, construindo um ativo intangível de difícil imitação, gerador de real vantagem competitiva. Creio que esta é a discussão para o futuro das organizações, no Brasil e no mundo.
Os processos de melhoria contínua, redução de custos, qualidade e produtividade que empregam conceitos como Six Sigma, TQM e Lean Manufacturing permanecem sendo de grande relevância para as empresas, mas estão mais para habilidades necessárias para estar no jogo do que para vencer o jogo. A digitalização está provocando - e se intensificará - uma completa mudança de paradigma no âmbito dos negócios, da economia e da sociedade. Já vimos o efeito que cloud computing, mobile, apps e analytics, entre outros, causaram: o impacto do Uber sobre os aplicativos de táxi e destes sobre as respectivas cooperativas; o crescimento do AirBNB e seu impacto sobre a rede hoteleira; e os cases já antigos como Blockbuster x Netflix, Kodak e Nokia. Mas o impacto não se resume aí. Para sermos breves, vamos olhar apenas para um subconjunto destas tecnologias. A internet das coisas (IoT) está permitindo um nível de captação (e digitalização) de informações sem precedentes. Não é um conceito de todo novo. Eu mesmo trabalhei longos anos de minha carreira em automação e instrumentação na indústria e já na década de 90 usávamos redes industriais e sistemas especialistas capazes de otimizar processos. Mas atualmente o custo e a capacidade de processamento são muito mais atraentes e poderosos. Saindo um pouco do terreno da indústria, para diversificar, as aeronaves comerciais já estão sendo monitoradas online por meio de sensoreamento distribuído nos propulsores e estruturas ativas e passivas, gerando volumes absurdos de dados que são tratados através de big data, permitindo não somente maior segurança mas a otimização dos ativos, que passam a permanecer menos tempo em reparos e com intervenções melhor planejadas. Isto parece ser interessante para redução do custo operacional, um impacto bastante óbvio. Mas também significa um melhor aproveitamento da frota e portanto menor necessidade de aeronaves, o que impacta a venda de novas aeronaves. E não ficamos por aqui. Os carros autônomos já são uma realidade concreta e em breve estarão no mercado. Juntamente com a crescente economia compartilhada este tipo de tecnologia irá reduzir drasticamente a frota mundial de veículos. Teremos muitos benefícios na redução de emissões, na redução do número de acidentes de trânsito, além de serviços de qualidade e a eliminação de custos de propriedade. Mas ao mesmo tempo provocará uma redução na produção com impactos em toda a cadeia automobilística. Menos carros, menos montadoras, menos aço, menos autopeças, menos pneus, menos plásticos... e menos empregos, mas isto é tema para um outro artigo.
Esta revolução tem largas proporções. Não se trata apenas da digitalização - a propósito, digitalização não significa apenas e-commerce como ainda pensam muitos. Estamos falando de uma avalanche de tecnologias como computação cognitiva, robótica, energia solar, IoT, biotecnologia, neurociência, nanotecnologia, redes, drones, entre outras que estarão disponíveis comercialmente em todo seu potencial entre hoje e os próximos 10 anos (sim, já existe muita coisa sendo utilizada comercialmente, como o Watson da IBM por exemplo). Além disso há uma geração inteira nascida na era digital que está chegando ao mercado. Não é apenas uma legião de consumidores que exigirá novos hábitos e respostas do mercado, mas uma legião de pessoas que estarão no mercado de trabalho em posições de ação ou liderança, com expectativas muito superiores, que ditarão os novos ritmos de relacionamento entre as empresas, que construirão novos modelos de negócio sobre sua clara visão de oportunidades tecnológicas aliada à economia compartilhada e a cultura maker, para citar apenas poucos.
Como eu costumo dizer, o progresso é implacável. Se você não o acompanhar será levado de roldão. Melhor estar preparado. Para que isto ocorra as empresas devem olhar para a inovação como uma competência chave que deve permear toda a Organização, estar embutida no tecido organizacional, em suas áreas funcionais, processos horizontais, divisões ou linhas de produto. A inovação encarada como uma competência organizacional não se limita à área de Pesquisa e Desenvolvimento ou Marketing. É preciso alinhamento com a estratégia, suporte da liderança, investimento na mudança de cultura e de comportamentos em todos os níveis, com recursos dedicados para promover esta transformação. Desenhar processos e sistemas que norteiem ao mesmo tempo que guardem a flexibilidade necessária para não tolher a criatividade. Gerar abertura, autonomia e empoderamento real dos colaboradores. Adotar novas abordagens de gestão de projetos e de equipes. Abrir-se e conectar-se com com parceiros, universidades, fornecedores, clientes, centros tecnológicos e startups. É preciso investir na oxigenação da Organização, expondo e gerando novas referências aos colaboradores, disseminar o conhecimento e promover a colaboração em ambiente de confiança autêntica, onde todos estão motivados pelo propósito da empresa, dispostos a errar como forma de aprender. Rever políticas de avaliação de desempenho, promovendo a capacidade de gerar resultado através de times multifuncionais. Aumentar a diversidade de perfis através da reorientação das políticas de recrutamento. Tornar a empresa mais customer-centric, a ponto de dominar o espaço de problemas de seus clientes e ser capaz de construir soluções com agilidade e flexibilidade, sejam os componentes destas soluções próprios ou de parceiros.
Esta é a minha visão de inovação. E certamente ela requer o conhecimento de várias abordagens, diferentes habilidades, conceitos e técnicas que frequentemente a liderança das empresas conhece muito pouco. Será necessário alterar isto. Dominar a inovação nesta dimensão irá requerer a adição de algumas habilidades novas e um novo mindset,não somente no nível individual mas também no nível organizacional. A liderança não terá que apenas selecionar as pessoas certas, mas precisará saber colocá-las nas posições certas em uma estrutura organizacional que precisará ser mais aberta, ágil, fluída e transparente, com o poder mais distribuído nas equipes. Os silos precisarão deixar de existir e as empresas precisarão dominar a arte de compor recursos e habilidades internos e externos quase sem distinção, a depender da dinâmica dos mercados em que estão inseridas. Em muitos casos tudo isto irá requerer uma mudança de guarda, uma nova liderança, com novo mindset, uma nova caixa de ferramentas e novas habilidades. Muitos líderes de hoje não estão preparando suas organizações para as transformações que mencionamos acima. Eles simplesmente não conseguem enxergar as oportunidades ou perceber a necessidade urgente de adaptação às mudanças.
Creio que a mensagem final aqui é que as regras do jogo estão sendo reescritas e os líderes ou estão à bordo ou serão expelidos. Ou ainda, na impossibilidade de ambos, suas empresas desaparecerão. Fica, ainda, a noção de que vantagem competitiva requer a exploração das atuais capacidades internas e externas das empresas bem como o desenvolvimento de novas capacidades e a renovação de competências para responder às transformações em curso. E a inovação pode prover isto.
Por Leonardo Comparsi de Oliveira - 28/08/2016